Celso Deucher
A estradinha de barro estava deserta naquela tarde nem quente, nem fria, de agosto de 1910. Era um daqueles dias que ninguém entende se é inverno ou verão. Na parte da manhã uma chuvinha impertinente, havia criado um ambiente hostil para quem se arriscasse a sair de dentro de casa. Na parte da tarde o ar ainda estava impregnado de umidade e os pais evitavam deixar os filhos sairem na rua temendo que pegassem alguma destas doenças advindas da friagem.
Faltava dois dias para que a vila de Brusque se engalanasse nas comemorações dos 50 anos de fundação. Por isso os moradores preocupavam-se em fazer muita mistura, matar um porco, colocar as galinhas na ceva, pois na certa receberiam visitas. A dispensa tinha que estar bem sortida, pois nunca se sabia quantos poderiam chegar e ficava muito chato ter que deixar as visitas em casa e ir até a venda comprar as coisas que faltavam.
Numa residência postada nas proximidades do Morro Evangélico uma mãe preocupada olhava pela janela na esperança de ver sua filhinha voltar. Ela havia ido até a praça com a tarefa de buscar algumas miudezas que a tia havia esquecido, quando esteve no estabelecimento no dia anterior. A preocupação com a menina tinha um motivo: ela estava demorando e o tempo estava feio barbaridade.
A menina com apenas 11 anos de idade, aquele tempo carrancudo não lhe causava constrangimentos. Havia colocado uma toca na cabeça e calçado uma botina até próximo do joelho e com tudo isso pensava estar protegida. Estava sem pressa de voltar para casa. Preferia ir observando tudo que via por diante e quando encontrava algum transeunte demorava-se nas conversas. Queria saber tudo que estava acontecendo na vila, quem viria para as comemorações, quanto tempo iriam ficar e onde iriam se hospedar. Não havia outro meio que não fosse conversar com as pessoas para se obter estas informações. Era um tempo em que todos se conheciam e uma criança não tinha o que temer quando andava pelas ruas da vila.
Na venda, o comerciante ensacou todos os itens pedidos pela tia, anotou na caderneta e despediu-se da menina, observando que ela deveria apertar o passo para chegar logo em casa evitando de pegar uma dor de ouvidos. A menina ouviu a recomendação, mas preferiu fazer o que havia programado quando saiu de casa. Afinal se pegasse uma dor de ouvidos, está seria rapidamente curada pelo seu padrinho, que era médico na vila de Brusque.
Assim como seu pai, ela amava escrever, principalmente poesias. Mas naquele dia queria experimentar um outro tipo de literatura. De tanto ver o pai escrevendo horas a fio relatos das coisas e fatos da sua época, ela também queria testar essa habilidade escrevendo tudo que via na vila em um caderninho. E foi o que fez naquela noite de 2 de agosto de 1910, depois de levar uma bronca de sua mãe, pela demora em chegar em casa...
O tempo passou e seu caderninho já eram vários caderninhos e exatamente aquele que ela anotou o que viu em Brusque naquele inverno de 1910 acabou se perdendo nas mudanças da família que se seguiram. Seu pai era um pastor evangélico e a sua missão exigia muitas transferências. Mas se o caderninho sumiu, não se perdeu, no entanto, na memória desta menininha os tempos felizes que viveu em Brusque.
Ela cresceu, tornou-se moça e casou-se com um também filho de imigrantes alemães do município de Timbó. Logo os filhos vieram e a família conseguiu com muito trabalho certa prosperidade econômica. As suas ligações com Brusque não foram esquecidas, porém raramente havia a possibilidade de voltar à cidade para visitar parentes e amigos que aqui residiam.
Aos 61 anos, surgiu a oportunidade que ela tanto aguardava para vir a Brusque. Continuava na sua memória a lamentável perda do caderninho onde havia feito o seu primeiro relato. Naquela época, por vergonha de ter errado alguma frase ou ter sido relapsa quanto a língua alemã, usando termos que seu pai pudesse desaprovar, preferiu não dizer a ninguém que havia escrito. Por isso ninguém sentiu falta de seu “diarinho”, nem ela falou nada, já que para os outros ele nem existia.
Mas a sua vontade agora não era apenas registrar as coisas da cidade de 1960. Queria resgatar ao menos alguns fragmentos da vila de sua meninice. E não havia data mais especial para isso, pois era 4 de agosto de 1960 e ela estava em Brusque...
A cidade estava em festa e não eram poucos os foguetórios por todos os lugares por onde passava. De certa forma os costumes não haviam mudado muito, pois as casas do centro estavam atopetadas de visitas, principalmente as vindas do interior do município para as comemorações. Afinal, Brusque completava 100 anos de fundação e estavam previstos dezenas de eventos e comemorações por tão importante data.
Era novamente uma tarde, como da primeira vez, só que o sol brilhava como convidando a um passeio. Naquele dia, uma senhora idosa vinha pela estrada afora. Passos vagarosos, porém decididos... Ela olhava ao seu redor tentando reconhecer os locais e as pessoas que habitavam cada uma das casas. Parecia que “há muito tempo não havia estado em Brusque, pois olhava ao redor procurando qualquer coisa”.
No pé da Colina Evangélica olhou para cima e apertou o passo... Estava ansiosa para sentar-se no seu lugar preferido e observar a cidade. Lá encima era o observatório da “Brusquer Kind”, a menina de Brusque. Chegou ao topo da colina ofegante. Não por que estava cansada, mas por que pisava novamente no lugar de sua infância.
Foi de lá, naquela tarde de agosto de 1960, que relembrando a Menina de antigamente, “Frau Damals” a “Senhora Outrora”, como ela mesma se autodenominou, contemplou o movimento lá embaixo na Avenida principal de Brusque e escreveu tudo que viu e lembrou desde a sua infância...
É, pois, aqui que começa o nosso encontro com as memórias de Frau Damals que inspirou este livro. Foram os escritos que ela nos legou, que se tornaram a alma desta obra que agora estamos entregando aos leitores. Lá se vão 50 anos depois deste dia de agosto de 1960. A Menina e a “Senhora de Outrora” já se foram. As suas memórias, no entanto, ficaram gravadas na história da cidade.
Ministrando aulas de geografia na Escola de Ensino Médio Yvonne Olinger Appel, popularmente conhecida como Escola Jovem, no bairro Cedrinho, tivemos a idéia de levar para análise o texto de “Frau Damals”, para análise. A aula foi um sucesso. Os olhos dos alunos brilhavam e alguns estavam emocionados com o final proposto por Frau Damals, sugerindo que 50 anos depois, alguém subisse até a Colina Evangélica e continuasse a sua história.
Em 21 de maio de 2010 isso aconteceu e o resultado foram mais de 40 artigos dos alunos falando da Brusque de hoje. Para dar um novo brilho aos textos incumbi os alunos da tarefa de escrever estas memórias imaginando que no ano de 2060, outra pessoa vai ler este texto e com certeza, buscará continuar descrevendo nossa cidade, com seu cotidiano, usos, costumes, tradições e cultura em geral, como foi feito em 1910, 1960 e em 2010.
Brusque: Anteontem-Ontem-Hoje é quase um “relatório literário” desta viagem com três paradas no tempo e na realidade atual. Não tem pretensão de ser um livro de história, mas de incentivo a leitura de história, onde pretendemos levar o leitor a conhecer um pouquinho mais sobre estes 150 anos de nosso município, através de uma linguagem simples, voltada especialmente para o público estudantil.
A obra tem o patrocínio do Fundo de Apoio a Cultura, Fundação Cultural de Brusque, Prefeitura Municipal, Conselho Municipal de Cultura e faz parte das Comemorações dos 150 anos de Brusque. Fica aqui nosso convite para que a comunidade prestigie mais esta obra sobre a história de nossa cidade.
Sobre a solenidade de lançamento ver matéria neste endereço:
http://historiadebrusque.blogspot.com/2010/12/lancado-ultimo-livro-do-ano-do.html
ESTA OBRA JÁ SE ENCONTRA A DISPOSIÇÃO DOS LEITORES NAS LIVRARIAS DA CIDADE
Contatos com o autor:
celsodeucher@hotmail.com
(47) 3396-7593 | 9138-2929
Faltava dois dias para que a vila de Brusque se engalanasse nas comemorações dos 50 anos de fundação. Por isso os moradores preocupavam-se em fazer muita mistura, matar um porco, colocar as galinhas na ceva, pois na certa receberiam visitas. A dispensa tinha que estar bem sortida, pois nunca se sabia quantos poderiam chegar e ficava muito chato ter que deixar as visitas em casa e ir até a venda comprar as coisas que faltavam.
Numa residência postada nas proximidades do Morro Evangélico uma mãe preocupada olhava pela janela na esperança de ver sua filhinha voltar. Ela havia ido até a praça com a tarefa de buscar algumas miudezas que a tia havia esquecido, quando esteve no estabelecimento no dia anterior. A preocupação com a menina tinha um motivo: ela estava demorando e o tempo estava feio barbaridade.
A menina com apenas 11 anos de idade, aquele tempo carrancudo não lhe causava constrangimentos. Havia colocado uma toca na cabeça e calçado uma botina até próximo do joelho e com tudo isso pensava estar protegida. Estava sem pressa de voltar para casa. Preferia ir observando tudo que via por diante e quando encontrava algum transeunte demorava-se nas conversas. Queria saber tudo que estava acontecendo na vila, quem viria para as comemorações, quanto tempo iriam ficar e onde iriam se hospedar. Não havia outro meio que não fosse conversar com as pessoas para se obter estas informações. Era um tempo em que todos se conheciam e uma criança não tinha o que temer quando andava pelas ruas da vila.
Na venda, o comerciante ensacou todos os itens pedidos pela tia, anotou na caderneta e despediu-se da menina, observando que ela deveria apertar o passo para chegar logo em casa evitando de pegar uma dor de ouvidos. A menina ouviu a recomendação, mas preferiu fazer o que havia programado quando saiu de casa. Afinal se pegasse uma dor de ouvidos, está seria rapidamente curada pelo seu padrinho, que era médico na vila de Brusque.
Assim como seu pai, ela amava escrever, principalmente poesias. Mas naquele dia queria experimentar um outro tipo de literatura. De tanto ver o pai escrevendo horas a fio relatos das coisas e fatos da sua época, ela também queria testar essa habilidade escrevendo tudo que via na vila em um caderninho. E foi o que fez naquela noite de 2 de agosto de 1910, depois de levar uma bronca de sua mãe, pela demora em chegar em casa...
O tempo passou e seu caderninho já eram vários caderninhos e exatamente aquele que ela anotou o que viu em Brusque naquele inverno de 1910 acabou se perdendo nas mudanças da família que se seguiram. Seu pai era um pastor evangélico e a sua missão exigia muitas transferências. Mas se o caderninho sumiu, não se perdeu, no entanto, na memória desta menininha os tempos felizes que viveu em Brusque.
Ela cresceu, tornou-se moça e casou-se com um também filho de imigrantes alemães do município de Timbó. Logo os filhos vieram e a família conseguiu com muito trabalho certa prosperidade econômica. As suas ligações com Brusque não foram esquecidas, porém raramente havia a possibilidade de voltar à cidade para visitar parentes e amigos que aqui residiam.
Aos 61 anos, surgiu a oportunidade que ela tanto aguardava para vir a Brusque. Continuava na sua memória a lamentável perda do caderninho onde havia feito o seu primeiro relato. Naquela época, por vergonha de ter errado alguma frase ou ter sido relapsa quanto a língua alemã, usando termos que seu pai pudesse desaprovar, preferiu não dizer a ninguém que havia escrito. Por isso ninguém sentiu falta de seu “diarinho”, nem ela falou nada, já que para os outros ele nem existia.
Mas a sua vontade agora não era apenas registrar as coisas da cidade de 1960. Queria resgatar ao menos alguns fragmentos da vila de sua meninice. E não havia data mais especial para isso, pois era 4 de agosto de 1960 e ela estava em Brusque...
A cidade estava em festa e não eram poucos os foguetórios por todos os lugares por onde passava. De certa forma os costumes não haviam mudado muito, pois as casas do centro estavam atopetadas de visitas, principalmente as vindas do interior do município para as comemorações. Afinal, Brusque completava 100 anos de fundação e estavam previstos dezenas de eventos e comemorações por tão importante data.
Era novamente uma tarde, como da primeira vez, só que o sol brilhava como convidando a um passeio. Naquele dia, uma senhora idosa vinha pela estrada afora. Passos vagarosos, porém decididos... Ela olhava ao seu redor tentando reconhecer os locais e as pessoas que habitavam cada uma das casas. Parecia que “há muito tempo não havia estado em Brusque, pois olhava ao redor procurando qualquer coisa”.
No pé da Colina Evangélica olhou para cima e apertou o passo... Estava ansiosa para sentar-se no seu lugar preferido e observar a cidade. Lá encima era o observatório da “Brusquer Kind”, a menina de Brusque. Chegou ao topo da colina ofegante. Não por que estava cansada, mas por que pisava novamente no lugar de sua infância.
Foi de lá, naquela tarde de agosto de 1960, que relembrando a Menina de antigamente, “Frau Damals” a “Senhora Outrora”, como ela mesma se autodenominou, contemplou o movimento lá embaixo na Avenida principal de Brusque e escreveu tudo que viu e lembrou desde a sua infância...
É, pois, aqui que começa o nosso encontro com as memórias de Frau Damals que inspirou este livro. Foram os escritos que ela nos legou, que se tornaram a alma desta obra que agora estamos entregando aos leitores. Lá se vão 50 anos depois deste dia de agosto de 1960. A Menina e a “Senhora de Outrora” já se foram. As suas memórias, no entanto, ficaram gravadas na história da cidade.
Ministrando aulas de geografia na Escola de Ensino Médio Yvonne Olinger Appel, popularmente conhecida como Escola Jovem, no bairro Cedrinho, tivemos a idéia de levar para análise o texto de “Frau Damals”, para análise. A aula foi um sucesso. Os olhos dos alunos brilhavam e alguns estavam emocionados com o final proposto por Frau Damals, sugerindo que 50 anos depois, alguém subisse até a Colina Evangélica e continuasse a sua história.
Em 21 de maio de 2010 isso aconteceu e o resultado foram mais de 40 artigos dos alunos falando da Brusque de hoje. Para dar um novo brilho aos textos incumbi os alunos da tarefa de escrever estas memórias imaginando que no ano de 2060, outra pessoa vai ler este texto e com certeza, buscará continuar descrevendo nossa cidade, com seu cotidiano, usos, costumes, tradições e cultura em geral, como foi feito em 1910, 1960 e em 2010.
Brusque: Anteontem-Ontem-Hoje é quase um “relatório literário” desta viagem com três paradas no tempo e na realidade atual. Não tem pretensão de ser um livro de história, mas de incentivo a leitura de história, onde pretendemos levar o leitor a conhecer um pouquinho mais sobre estes 150 anos de nosso município, através de uma linguagem simples, voltada especialmente para o público estudantil.
A obra tem o patrocínio do Fundo de Apoio a Cultura, Fundação Cultural de Brusque, Prefeitura Municipal, Conselho Municipal de Cultura e faz parte das Comemorações dos 150 anos de Brusque. Fica aqui nosso convite para que a comunidade prestigie mais esta obra sobre a história de nossa cidade.
Sobre a solenidade de lançamento ver matéria neste endereço:
http://historiadebrusque.blogspot.com/2010/12/lancado-ultimo-livro-do-ano-do.html
ESTA OBRA JÁ SE ENCONTRA A DISPOSIÇÃO DOS LEITORES NAS LIVRARIAS DA CIDADE
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