segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Palestras e homenagens marcam semana da consciência negra no Vale do Itajaí

Afrodescendentes lotaram as dependências da Câmara de Vereadores de Gaspar.


O dia nacional da Consciência Negra foi comemorado na região com palestras e homenagem nos municípios de Brusque e Gaspar. Em Brusque a data foi marcada por duas palestras e debates no CEJA (Centro Educação de Jovens e Adultos) e na Universidade Uniasselvi/Assevim. Já em Gaspar, o evento aconteceu na Câmara de Vereadores com palestra e uma homenagem ao cidadão Osvaldo Coelho, de 87 anos, que representou as etnias de origem africana no município.

Comemorado no dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra de 2012 foi marcado por centenas eventos em todo o Brasil. No Vale do Itajaí, pelo menos dois municípios promoveram eventos alusivos a data em que Zumbi dos Palmares morreu, em 1695.
No município de Gaspar, a comunidade de origem africana e o poder legislativo promoveram no dia 20, durante sessão ordinária da Câmara de Vereadores, as 18h30min, homenagem ao cidadão gasparense Osvaldo Coelho, de 87 anos, um dos mais importantes representantes das etnias africanas no município. Durante a sessão aconteceu uma palestra com o jornalista e pesquisador Celso Deucher, que falou sobre a presença afrodescendente nas Colônias alemãs do Vale do Itajaí e Sul do Brasil.


De acordo com um dos organizadores do evento, Cícero Geovani Amaro, o homenageado da noite, Osvaldo Coelho, é um dos mais conhecidos personagens da comunidade negra gasparense. “Ele trabalhou muitos anos nas olarias da região e mais tarde atuou na manutenção do campo de futebol do Gasparense”, diz Cícero. Residente no bairro Coloninha, Osvaldo Coelho recebeu uma menção honrosa da Câmara de Vereadores. A noite contou com um grande público formado por cidadãos afrodescendente do município e teve inclusive a participação do prefeito municipal Celso Zuchi e diversos secretários municipais, além de outras lideranças políticas da cidade.


Osvaldo Coelho, 87 anos (ao centro), recebendo das mãos dos vereadores de Gaspar uma menção honrosa em nome de toda comunidade negra do município.

Em seu pronunciamento, o coordenador do evento, Cícero Giovani Amaro, enfatizou que a noite tinha como objetivo “ser um momento de reflexão, reconhecimento e motivação para os negros gasparenses”. Diversos outros presentes também fizeram uso da palavra e todos enfatizaram a importância da valorização da cultura afrodescendente no município, bem como a necessidade de se criar uma organização que ajude a resgatar a bela história dos seus descendentes em Gaspar.


O palestrante, professor Celso Deucher, com a filha do organizador Cicero Geovani Amaro, recebendo de presente o último livro de autoria de Deucher e Saulo Adami, a "Revolução do Voto".

Em Brusque, o CEJA (Centro Educação de Jovens e Adultos) também sediou no dia 22, quinta-feira, das 18:30hs às 20:30hs palestra e debate com o professor Celso Deucher, voltada aos alunos do ensino médio da instituição, bem como aos professores. O tema desta vez foi a presença afrodescendente no Vale do Itajaí Mirim, em especial Brusque. Cerca de 90 alunos e 8 professores, bem como a direção do CEJA participaram do evento que foi coordenado pela professora Luciana Paza Tomasi.


No sábado, dia 24, a mesma palestra foi apresentada na Universidade Uniasselvi/Assevim de Brusque para os alunos dos cursos de História e Pedagogia, coordenados pela professora Gladys Soraia da Silva. Na Uniasselvi o enfoque da palestra foi mais especificamente nos registros oficiais de afrodescendentes na “Brusque Colonial” e nos dias atuais, onde o professor Deucher apresentou os números do IBGE de 1940 a 2010, contrapondo com outros registros ao longo da história do município. “Nosso objetivo foi mostrar que apesar das minguadas linhas dedicadas a presença afrodescendente no município de Brusque, encontramos centenas de registros na memória oral e em documentos, comprovando que em Brusque sempre tivemos uma significativa participação negra na formação étnica da cidade”, assinala o palestrante.


“Presença africana na região é muito mais expressiva do que registra história oficial”

Celso Deucher é jornalista, professor e pesquisador da presença afrodescendente no Vale do Itajaí e Sul do Brasil. É um dos principais pesquisadores e divulgadores da presença africana no Vale do Itajaí Mirim desde 2005, quando começou a pesquisar mais diretamente o tema.
Suas palestras enfocaram a presença das etnias africanas nas Colônias Européias da região e fizeram um resgate histórico da contribuição Negra na história de Brusque, Gaspar e Vale do Itajaí como um todo.


Até o momento, a conclusão desta pesquisa é de que a presença afrodescendente nas regiões de imigração européia foi menor que em outras regiões de predominância portuguesa. “No entanto, esta presença foi muito mais numerosa e marcante que a história oficial vem registrando ao longo do tempo”.


Na visão de Deucher, basta olhar com mais atenção a história de Brusque e Gaspar que de imediato se descobre que grande parte dos primeiros habitantes destes municípios, não indígenas, foram os africanos balseiros que vindos de Itajaí, traziam os primeiros exploradores de madeira, terras e ouro para esta região”.


Ele chama a atenção também para a presença da prática escravista em Gaspar e Brusque desde a chegada dos primeiros colonizadores e exploradores deste território. “Este grupo de exploradores não concebia desenvolvimento econômico sem o trabalho escravo. Segundo nossa pesquisa, está suficientemente comprovado que haviam muitos escravos na região e essa gente, com o fim da escravatura, não pode ter evaporado ou simplesmente mandada embora para outras regiões. Muitos deles ficaram em Gaspar e Brusque e seus descendentes estão aqui até hoje. Inequivocamente estes africanos contribuíram de forma direta com o desenvolvimento destes municípios, mas seu trabalho nunca foi reconhecido”, enfatiza.
Nos casos de Gaspar e Brusque, após o fim oficial da escravidão em 1888, grande parte dos ex escravos continuaram a exercer suas tarefas na região atrelados ao seus senhores. Outros se tornaram operários, sapateiros, oleiros, pedreiros, agricultores, empregadas domésticas, cozinheiras, entre outras profissões. Todos, sem exceção, tiveram que assumir a sua própria sorte e foram a luta pela sobrevivência, como qualquer outro cidadão. “É claro que para ex escravos a coisa foi bem mais difícil, pois sabemos que aqui no Vale do Itajaí pesava muito forte a cor da pele das pessoas, como ainda pesa na atualidade e isso é uma realidade que definitivamente temos que mudar”, explica o pesquisador. 


Ainda segundo Deucher, reler e trazer a tona estes atores que ajudaram a construir estes municípios, é uma forma de dar autoestima aos seus descendentes e fazer aquilo que chama de “justiça histórica”. “Não se trata de repisar erros do passado e culpar esta ou aquela etnia pelas práticas escravistas e pela falta de reconhecimento. Trata-se de comprovar que estas pessoas estavam aqui e como qualquer outro povo, reconhecer a importância destes seres humanos, que na condição de cidadãos passaram muitas dificuldades para serem efetivamente aceitos como atores da sua própria história e agentes de transformação da sociedade onde vivem. Os afrodescendentes, assim como alemães, italianos, portugueses, açorianos e outros povos, contribuíram muito para o desenvolvimento econômico, social, político e cultural da nossa região e isso precisa ser reconhecido”, explica.



Nas três palestras que Deucher ministrou, foi enfatizado a necessidade das etnias africanas valorizarem a sua cultura, os seus usos, costumes e tradições, mesmo inseridos num universo cultural maior, onde a cultura dos grupos europeus são majoritárias e dominantes. “Penso que uma das formas de se acabar com o preconceito é valorizar a história com os olhos e práticas no presente. É importantíssimo que o cidadão negro evite o auto-preconceito e a inferiorização perante a sociedade e que de forma altiva combata o preconceito contra sua gente. Afinal somos seres humanos e cada um é igual e capaz de ir a luta pelo que acredita e quer para seu futuro”, frisou.


O professor Deucher reconhece que poderia haver bem mais universitários nas universidades, porém ressalta que em grande parte a problemática não está na questão discriminatória pela cor do cidadão. “Trata-se de um outro problema nacional, a qualidade da educação no ensino publico fundamental e médio. Os pobres brasileiros, em especial a partir da ditadura Vargas, são jogados nas escolas para serem alfabetizados somente no necessário para não se insurgirem contra o sistema. E neste contexto não importa se o cidadão é branco, preto, amarelo ou verde, pois o ensino é péssimo para todos e tolhe a capacidade de todos de ter uma vida melhor, de entrar numa universidade, de ser alguém no futuro”, critica Deucher. 





Estátua de Zumbi dos Palmares

História

O 20 de novembro como dia Nacional da Consciência Negra é celebrado no Brasil desde a década de 1990 e é dedicado à reflexão sobre a inserção do cidadão negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Este líder negro, assim como outros líderes africanos, fundaram e mantiveram por décadas forte resistência a escravidão, chegando a formar um país separado do Brasil governado por cidadãos livres. O Dia da Consciência Negra procura ser uma data para se lembrar a resistência do negro à escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte de africanos para o solo brasileiro em 1594.

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