domingo, 20 de fevereiro de 2011

“Arbor bona fructus bonos facit”


Padre Eloy Dorvalino Koch
Celso Deucher
[celsodeucher@hotmail.com]

Geralmente era por volta das 9 horas da manhã e o telefone tocava:
- Gostaria de falar com o Deucher. Será que ele está ai e teria uns minutos para dedicar a um velho amigo?

A resposta invariavelmente era sim... O Deucher sempre tinha uns minutos para escutar o “velho amigo” Padre Eloy. Na maioria das vezes ele me ligava para conversar amenidades, mas ao final sempre aparecia um pedido. Eram coisas bem simples, como por exemplo me convencer de que eu deveria escrever um artigo “descendo a lenha” em algumas coisas que do ponto de vista dele estavam erradas na cidade. “Tu tens uma caneta mais afiada e não reza missa”, me dizia ele. Seus pedidos não eram de nada muito grave, mas críticas que ele não poderia “dizer lá do púlpito”, por que acreditava que se falasse destes assuntos o pessoal passaria a vê-lo como um “velho ranzinza”.

Em outras vezes, não sei por que cargas d´água, padre Eloy me ligava e pedia para levá-lo a alguns lugares. Num deles (o banco, para receber sua aposentadoria) era sempre uma situação interessante. Certa vez me chamou e pediu que fosse até o Bradesco com ele, pois acreditava que havia alguém de olho “no velhinho” querendo assaltá-lo e que havia até a possibilidade de alguém do banco estar lhe “embrulhando”, pois já havia ido duas vezes e nada dos “mirréis” estarem lá. Tentei explicar que geralmente isso não acontecia por que o dinheiro caia direto na conta e não tinha como o pessoal do banco ter contato. Bastava ele ir ao caixa com seu cartão e senha que com certeza tudo iria dar certo. Mas que nada, ele queria a minha presença e claro que eu não poderia negar isso ao meu “velho” amigo.

Eu e padre Eloy nos tornamos amigos faz mais de 20 anos. Certa feita ele viu meu nome em um artigo do jornal Tribuna, antigo órgão de imprensa da oposição de Brusque, nos tempos do Beto Ristow, Holmes Brasil, Airton Ferreira e do “seu Zé do lino type”. Nesta época eu era seminarista do SEFISC (Seminário Filosófico de Santa Catarina) e cursava filosofia na FEBE. Certo dia ele foi até minha sala “convidar-me para um papo de gente grande”. Eu havia escrito alguma coisa debulhando o capitalismo e defendendo o socialismo. Ele ficou indignado com isso e me passou um sermão. Escutei tudo calado por que na verdade encontrei em tudo que ele dizia certa lógica, apesar de continuar a discordar das suas ponderações.

Foi nesta conversa que padre Eloy me ligou a família Deucher de Brusque, parentes distantes (quase 100 anos) dos de Bom Retiro, terra onde nasci e onde os Deucher são mais numerosos que os Silva. Ao longo do tempo vieram muitas conversas e descobri que ele conhecia toda minha família lá da Serra e que inclusive havia estado em nossa casa, quando pesquisava sobre o velho Martim Bugreiro. Os descendentes deste personagem histórico (Família Castanheiro) eram nossos vizinhos de porta em Bom Retiro e inclusive, foi nas “tocas de bugre” que existiam nos terrenos de meu avô (Vinuca Deucher) que Padre Eloy coletou boa parte do material de pesquisa que hoje faz parte de um museu em Ituporanga. Foi padre Eloy que me levou a conhecer a Dona Dalbérgia Deucher (filha da conhecida Fany) que casou com um parente meu provindo de Bom Retiro.

No ano passado, durante um bate papo que tivemos sobre a presença afrodescendente em Brusque, Padre Eloy me confirmou aquilo que Clemente Podiatski já havia me dito: “Existia uma foto no arquivo do APPAL de Francelino Fortunato” (popularmente conhecido como Lino Manco), um dos primeiros afrodescendentes a viver e constituir numerosa família em Brusque. O meu problema estava em uma segunda pessoa reconhecer o homem na foto e isso consegui depois de mostrar ao padre Eloy. Era uma foto de internos da “Casa de Loucos” de Azambuja, onde sentadinho em uma cadeira Podiatski havia reconhecido Lino Manco. “Eu me lembro deste preto que era muito brincalhão, mas gostava de uma pinga que se acabava. Eu acho até que de fato, se acabou mesmo na pinga, mas isso não posso te afirmar com certeza, pois eu já conheci ele bem velhinho e depois essa pessoa sumiu. Soube que tinha morrido muito tempo depois através do filho dele, o Pedro Fortunato que era um grande benzedor e morava ali na Ponta Russa”, relembrou Padre Eloy. E disse mais: “Você tem que pegar o livro do Padre Valberto que ali tem um artigo sobre este homem”. Efetivamente segui seus conselhos e graças a esta ajuda reconstitui grande parte da história desta sesquicentenária família brusquense.

A morte de Padre Eloy

Na manhã de quarta-feira quando abri meu e-mail, recebi com tristeza um comunicado do historiador Paulo Vendelino Kons intitulado “faleceu Padre Eloy Dorvalino Koch”. “Aos 90 anos, em seu quarto no Convento Sagrado Coração de Jesus, no centro de Brusque, Padre Eloy Dorvalino Koch faleceu às 21h40min de terça-feira, 15. Seu corpo está sendo velado na capela do Convento (Avenida das Comunidades, 111 – Brusque). Às 16h30min desta quarta-feira, seu corpo será transladado até a Igreja Matriz São Luís Gonzaga, onde será celebrada a Missa de Corpo presente, às 17h, seguida do sepultamento no Cemitério Parque da Saudade. Padre Eloy iniciou sua atuação em Brusque no ano de 1942”, informava Kons.

Numa pequena introdução a história de Padre Eloy, Paulo Kons ponderava que ele serviu a cidade de Brusque durante mais de 68 anos contribuindo com o desenvolvimento integral da comunidade. “Filho de Maria Lúcia Momm e José Carlos Koch, Dorvalino Koch nasceu em 15 de novembro de 1920, na localidade de Rio Cachoeirinha, no município de Orleans/SC. Cursou o ensino primário em Ituporanga. O ensino secundário e superior na Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, Dehonianos: em Corupá/SC, Brusque/SC e Taubaté/SP. Foi ordenado presbítero em 11 de julho de 1948. Licenciado em Filosofia pela PUC de Curitiba, cursou também Pedagogia Religiosa no Instituto Católico de Paris, França. Mestrado e Doutorado pela USP, na área de Filosofia e História, lecionou na UNIFEBE - Brusque, UNIVALI - Itajaí, UNERJ - Jaraguá do Sul e FURB - Blumenau. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, membro da União Brasileira de Escritores - SC. Fundador do Arquivo Provincial Padre Lux - APPAL – em Brusque, do Museu do Artesanato Catarinense - MAC – Parque da Santur, em Balneário Camboriú e do Museu dos Pioneiros – em Ituporanga/SC. Trabalhou dois anos na comunidade de Santa Luzia - Brusque, Regente do Coral São Luís Gonzaga, Secretário do Colégio São Luiz, Capelão - por dois anos - no Bairro Fortaleza em Blumenau - na Igreja Santa Isabel”, escreve Kons.

O invejável currículo de Padre Eloy tem ainda outras páginas gloriosas no Berço da Fiação Catarinense, como o título de “Cidadão Honorário de Brusque” e  Conselheiro Honorário de Cultura de Brusque em cujo ato de posse, ocorrido dia 5 de julho de 2008, tive a honra de também ser empossado no mesmo grupo. Sobre a cultura, durante os festejos dos seus 90 anos de vida comemorados em 13 de novembro de 2010, Padre Eloy fez uma reflexão a partir de um pensamento do Cardeal Faulhaber (que enfrentou Hitler), afirmando que “a cultura da alma é a alma da cultura”.

Paulo Kons relembra a afirmação: “O nonagenário sacerdote afirmou que o mais importante da cultura está na cultura da alma humana e não apenas na cultura material do ser humano: `nós hoje estamos enredados pela ciência, tecnologia e técnica. Estamos adorando a ciência, a tecnologia e o técnico. A ciência procura descobrir as leis da natureza. A tecnologia procura descobrir a maneira de aproveitar estas leis. E o técnico é o aproveitamento prático destas. Mas o que dá sentido a nossa existência, acima de tudo, é o desenvolvimento do ser humano, portanto um desenvolvimento no qual a religião, a fé cristã esteja presente. Assim teremos o desenvolvimento integral’ destacou com firmeza Padre Eloy”.

Na área museológica e literária, além de Fundador do Museu APPAL, juntamente com Ayres Gevaerd, Padre Eloy constituiu-se num dos fundadores da Sociedade Amigos de Brusque (SAB), a mantenedora de Casa de Brusque. “Integrante da Comissão Organizadora dos festejos do Centenário de Brusque, Padre Eloy escreveu a obra Catolicismo Centenário de Brusque, no ano de 1956, quando visitou todas as igrejas que faziam parte da comunidade católica do município, inclusive as de Vidal Ramos, Botuverá e Guabiruba. Em parceria com Antônio Néco Heil, publicou o livro Clube Atlético Carlos Renaux, ex-Sport Club Brusquense, o Vovô do Futebol Catarinense. É autor de inúmeras outras obras abordando a história, a educação e a religião”, enfatiza Paulo Kons. No limiar de seu 90º aniversário natalício, Padre Eloy residia no Convento Sagrado Coração de Jesus, na avenida das Comunidades, no centro de Brusque”, escreve o historiador Paulo Kons.

Padre Eloy presidindo Santa Missa em 10 de maio de 2008, na Igreja Nossa Senhora do Rosário
Aos aficionados em cultura e história, admiradores de personalidades que efetivamente fizeram e são a nossa própria história, Padre Eloy foi um grande investimento do criador que iluminou e engrandeceu a pequena pátria brusquense. Faz jus a frase: “Arbor bona fructus bonos facit”.

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