José João Dalcastagner | , o "Zé Casqueiro" |
(celsodeucher@hotmail.com)
A lei Áurea (1888) repercutiu também no Vale do Itajaí Mirim, que como se sabe, apesar de em menor proporção, também mantinha a prática escravista. A família que vamos tratar a seguir teve origem com a chegada em Brusque de um jovem negro, possivelmente liberto por esta lei nos seus primeiros anos de vida. Seu nome permanece até hoje no anonimato e muito pouco conseguimos descobrir sobre ele.Mas a história aconteceu de fato e a família de José João Dalcastagner, popularmente conhecido como “Zé Casqueiro” é prova concreta da sua existência.
O pai de Zé, ninguém sabe como se chamava e nem qual foi seu fim. “Eu nunca ouvi ninguém dizer o nome dele. Nem meu marido falava sobre esse assunto. A gente só sabia que ele era um negro que vivia igual cigano. Certa feita apareceu aqui na Santa Luzia e foi trabalhar na casa da minha sogra que se chamava Josefina, casada legalmente com Pedro Dalcastagner com quem tinha já alguns filhos. Acontece que este meu sogro Dalcastagner era um pouco mulherengo e tinha deixado a minha sogra para ir morar com uma outra. Neste meio tempo, é que minha sogra teve um caso com este negro e engravidou”, conta Donacildia dos Santos Dalcastagner, esposa de Zé Casqueiro.
A trajetória dos Dalcastagner de origem afrodescendente começa exatamente no mês de setembro do ano de 1912 e ambientou-se no bairro Santa Luzia, onde residia a descendente de poloneses “Josefina”, que conforme afirma sua nora Donacildia, era casada com o descendente de italianos Pedro Dalcastagner.
Bem apessoado e “muito charmoso” este negro “cigano” teria chegado a Brusque alguns tempo antes, por volta de 1907, com cerca de 20 anos de idade. Teria trabalhado por cerca de cinco anos na casa da família Hort em Dom Joaquim. Fazia serviços caseiros, ajudava a cuidar das crianças e também era encarregado de levar e trazer recados. Ao sair da casa dos Hort, mudou-se para o bairro Santa Luzia onde passou a trabalhar e a fazer os mesmos serviços para a família Dalcastagner.
Acontece que o casal Pedro e Josefina Dalcastagner passavam por dificuldades no relacionamento, pois conforme Donalcidia, o patriarca gostava de dar umas “puladas de cerca”, e chegou ao ponto de em 1912, “abandonar a esposa para viver com uma de suas amantes”. O caso não foi longe e logo ele estaria em casa e se reconciliaria com a esposa, com a qual viveu pelo resto de sua vida.
Mas foi no ínterim desta separação que Josefina e o tal “negro charmoso” tiveram um relacionamento. Fruto dele sobreveio uma gravidez e o nascimento de um menino no dia 24 de junho de 1913, batizado com o nome de José João, futuro “Zé Casqueiro” como ficou conhecidíssimo em Brusque e região. Pedro Dalcastagner acabou registrando o menino “em seu nome”, pois o pai biológico havia “sumido”. Segundo dados que colhemos junto a família, o dito sumiço na verdade foi possivelmente um assassinato.
O radialista Nelson Dalcastagner, mais conhecido como “Nelsinho Casqueiro”, neto deste negro desconhecido, conta que há muitas histórias sobre o fim de seu avô, mas nenhuma delas há uma prova definitiva. “Eu me lembro que quando era pequeno, passava de carroça com um tio ali pela região do Morro dos Polacos e este me dizia que o meu avô preto, estava enterrado numa grota que tem até hoje lá. Mas tem outras histórias sobre o fim dele. Uns dizem que ele foi morto por um pessoal ali de cima, por ter feito mal a minha avó e foi jogado no mato lá na região do Moura. Já me disseram também que ele fugiu de Brusque e nunca mais voltou. Vai saber qual destas histórias é a verdadeira? Até hoje eu acho que a mais certa é essa que ele foi morto e enterrado ali naquela grota do Morro dos Polacos, mas até hoje eu nunca fui lá ver se era verdade mesmo”, diz Nelsinho.
O fato é que este “negro charmoso” um dia existiu e viveu entre nós. Prova disso é a descendência que deixou em solo brusquense, cujos membros vivem até hoje entre nós. Seu filho, José João Dalcastagner, um dos nossos grandes homens foi muito querido e amado pela comunidade e principalmente por seus descendentes por ter sido um homem dos mais corretos que o município já conheceu.
A vida de “Zé Casqueiro”
O garotinho “Zé Casqueiro” cresceu muito ligado a mãe. Por ter nascido negro, portanto diferente dos demais irmãos, sempre foi alvo das atenções do pai adotivo e de Josefina, que lhe devotavam especial carinho e atenção. Ainda jovem aprendeu a profissão de barbeiro e não raras vezes cortava o cabelo da vizinhança gratuitamente “para se aperfeiçoar na arte”. Porém, quando tinha por volta de 20 anos, a morte da matriarca lhe causou um grande trauma e mudou o rumo da sua vida. “A mãe faleceu nos braços dele. Depois da morte dela, o José desanimou de tudo e decidiu garrar o mundo. Saiu de Brusque e passou a perambular por várias cidades. Por volta de 1938 ele foi parar lá em Laranjeiras do Sul”, diz Donacildia.
Neste município paranaense “Zé Casqueiro” conseguiu emprego na construção da estrada de ferro que estava sendo feita na região. Com cerca de 30 anos, sobressaiu-se nas suas funções e foi nomeado feitor (uma espécie de chefe) de uma equipe de trabalhadores. A tal estrada de ferro passava muito próxima de um acampamento indígena que havia na região e foi nesta reserva indígena que José João veio a conhecer sua futura esposa, Donacildia dos Santos, nossa entrevistada, hoje com 92 anos e residente na Rua Augusto Klapoth, 825, bairro Santa Luzia. A casa onde reside está no mesmo terreno que José João recebeu de herança dos seus pais na década de 1940.
“Eu tinha menos de 13 anos quando ele me conheceu. Eu fugia dele por que tinha medo, pois era um negrão enorme e eu sabia que ele ficava me olhando, quando ia lá no nosso barracão falar com meu tio, que era com quem eu estava morando nesse tempo”, conta Donacildia. Os pais de nossa entrevistada eram pertencente a etnia dos índios Xetá residentes numa reserva criada pelo governo na região de Laranjeiras do Sul, Paraná. Nesta região, sua mãe Idalina dos Santos conheceu Guilherme de Jesus, com quem conviveu alguns anos. Deste relacionamento nasceram quatro filhos: Domingos, Florentino, João Maria e Donacildia. A filha nasceu em 23 de março de 1925 e foi batizada apenas com o sobrenome da mãe, pois o pai havia abandonado a reserva quando ela nasceu.
Devido as dificuldades para manter a menina, sua mãe lhe “deu para criar” para seu avô materno. Este mais tarde repassou a já mocinha para um outro parente, Manoel Ferreira Matoso, tio de Donacildia. “Quando conheci meu marido eu estava no barraco deste tio. Era ele que conversava muito com o José e fazia gosto que eu me casasse com ele. Lembro bem que nessa época ele ia lá no nosso barracão de vez enquanto e eu tinha que fazer o chimarrão e ir servir para eles. Eu ficava muito nervosa, por que era muito envergonhada e tinha medo dele”, conta ela.
O fato é que as visitas freqüentes de “Zé Casqueiro” ao “barracão” da família lhe deu coragem para pedir a mão da mocinha indígena em casamento. Mas Donalcidia era arredia e foi preciso muito trabalho para lhe convencer a aceitar o pedido. “Aceitar é modo de falar, por que naquela época quem aceitava este tipo de coisa era quem mandava na gente”, compelta ela. Com as “negociações” acertadas para realização do casamento surgiu um novo problema. “Eu era de menor e o padre nunca ia nos casar. Diz o meu véio que na época eu devia ter apenas uns 13 anos e não tinha documento nenhum comigo”, explica. O problema foi contornado com um “jeitinho” no cartório onde apenas pelo depoimento do tio, conseguiram registrar a menina com sete anos a mais. “Meu véio queria vir embora para Brusque mas ele queria que eu já viesse junto e eu não podia vir sem estar casada. Com isso arranjamos um padre e casamos”, relembra.
Depois de casados, Zé Casqueiro continuou mais algum tempo trabalhando na estrada de ferro e mais tarde mudou-se para o município de Ponta Grossa, onde o casal teve os dois primeiros filhos, Nelson e Davi. Logo que Davi nasceu vieram embora para Brusque para fazer o inventário dos bens que os pais de José deixaram para os filhos.
De volta a sua terra natal, enquanto não conseguia emprego, Zé Casqueiro afiava sua tesoura e seguia até uma “venda” próximo da igreja de Santa Luzia, onde para ganhar alguns trocados, cortava o cabelo dos agricultores da região. Tal função exerceu praticamente até o fim da sua vida, pois segundo seus familiares, quando estava empregado, ele fazia isso nos fins de semana. “Quando era sábado ou domingo ele botava uma calça de linho branca com suspensório e subia até ali na Santa Luzia para cortar cabelo do pessoal”, diz o filho Nelson.
Três meses depois de estar em Brusque, conseguiu emprego na empresa Renaux, onde foi trabalhar como “braçal” no corte de madeira que era usada para manter as caldeiras da empresa. Neste emprego José João aposentou-se quando completou 35 anos de serviços prestados. “Meu pai era um homem de muita força. Era um negrão de quase dois metros de altura e tinha uma mão enorme, sem falar no pé dele que passava dos 45. Quando chegava coisa pesada pelo navio e que o Calinho Renaux precisava de homem forte para ajudar a trazer aqui para a empresa ele vinha aqui em casa, as vezes de madrugada, buscar o meu pai, pois ele sabia que ele tinha força para mais de cinco homens”, conta Nelson.
Depois de aposentado Zé Casqueiro ainda trabalhou em uma carvoaria junto com um dos irmãos, bem como ajudou a abrir boa parte da estrada da Serra do Moura juntamente outros trabalhadores da região.
As lembranças da família sobre Zé Casqueiro são para ouvir, chorar e dar risada, tudo ao mesmo tempo. Um conselho que ele sempre deu aos filhos e estes nunca esqueceram é que “um ser humano pode ser pobre e preto, mas tem que ser certo”. “Ele sempre dizia que a gente tinha que ser honesto, trabalhador e se sustentar com o próprio suor. Deus nos livre se o pai soubesse que um de nós pegou alguma coisa dos outros. O pau pegava aqui em casa”, relembra o filho Nelson.
Zé Casqueiro driblou muitas dificuldades para criar os filhos, porém “nenhum deles pereceu por falta do que comer em casa”. Ele e Donacildia tiveram sete filhos, Nelson, Davi, Nadir, Hilária, Odete, José e Maria. Alguns dos descendentes residem em outros estados e até no exterior, mas a maioria continua em Brusque e Guabiruba.
José João Dalcastagner, o nosso Zé Casqueiro, faleceu em 19 de novembro de 1991 aos 78 anos de idade. Deixou muitos amigos e uma história de superação que merece ser reverenciada por nossa cidade e em especial pelos seus descendentes que hoje ainda vivem entre nós. É parte daqueles homens e mulheres que muitos “não lembram”, mas que ajudaram a construir a Brusque que comemora seus 150 anos e que tanto nos orgulhamos.
Ola amigo me chamo Nelson Evandro Dalcastagne
ResponderExcluirfique orgulhoso por achar seu blog
parabens amigo e tenho mas algumas coisas sobre esta grande familia deste homem querido por muitos brusquense . Meu avo Jose joao Dalcastagne sou neto com muito orgulho de nascer nesta familia abraco
PARABENS
parabens pela historia ,fico muito orgulhoso de ser neto deste grande homem ,saudades deste avô tão querido .sou MANFRINI filho de ODETE DALCASTAGNE com muito orgulho de meus avos ,meus pais ,meus tios ,meus irmãos ,meus primos e meus sobrinho O SENHOR DEUS escolheu esa familia .hoje resido na cidade de NOVA TRENTO SC .um grande abraço .FIQUE NA PAZ DO SENHOR JESUS CRISTO.
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